Infidelidade

No primeiro capítulo de seu livro "Ensaios de Amor", Alain de Botton mostra qual a probabilidade de ele ter conhecido o suposto amor de sua vida da forma como conheceu, ou seja, em um vôo com destino a Londres. Através de cálculos e análises, ele chega a um número que mostra que era mais fácil ter, por exemplo, ganhado sozinho na Mega Sena. Pensando nisso, qual seria a probabilidade de uma mulher casada com um homem lindo e carinhoso esbarrar na rua, em meio a uma ventania, em um deus grego (ops... francês) que se torna seu amante? Provavelmente seria mais fácil ver a Arábia Saudita campeã da Copa Coréia/Japão. Mas em Hollywood, fábrica de sonhos e pesadelos, algo assim não só é possível como é o enredo do novo filme de Adrian Lyne, "Infidelidade" (Unfaithful, EUA, 2002).Connie Sumner (Diane Lane, de "A Casa de Vidro") é uma mulher que tem uma vida que muitas mulheres pediram a Santo Antônio no último dia 12. É casada com Edward (Richard Gere, de "Dr. T e as Mulheres" e "Uma Linda Mulher"), homem que além de lindo, charmoso e bem sucedido, é carinhoso, apaixonado e ótimo pai. Juntos há 11 anos, eles formam uma típica família feliz. Moram em uma bela casa e têm um filho, Charlie (Erik Per Sullivan, de "Regras da Vida"), que é uma graça. Para completar o quadro, têm também um cachorro, claro.
Nos primeiros minutos do filme é enfatizada a felicidade da família, ao mesmo tempo em que fica visível que nela já se estabeleceu uma certa rotina. Connie acorda cedo para poder despachar marido e filho para o trabalho e para a escola. Entre muita correria e falatório, ela alimenta o cachorro, prepara o café da manhã, arruma o filho e ainda ouve o marido falar de seus investimentos.
E é num desses dias comuns, depois de cumprida a missão da manhã, que Connie sai para comprar um presente para o filho, prestes a completar 9 anos. Uma ventania varre o Soho e, enquanto tenta se proteger dos objetos atirados pelo vento, Connie esbarra em um rapaz e acaba se machucando. Nesse momento ela se vê diante de uma escolha: pega um táxi imediatamente e volta para casa ou aceita o convite do belo jovem para subir ao seu apartamento e limpar os ferimentos?
O jovem em questão é Paul Martel (Olivier Martinez, de "Antes do Anoitecer"), um francês comerciante de livros. Bem mais novo que Connie, Martel vive a vida da forma como ela se apresenta e é deliciosamente sedutor.
Connie aceita o convite do belo francês e eles passam a viver um tórrido caso, que reflete em mudanças no comportamento de Connie. Edward, desconfiado, contrata um investigador e acaba descobrindo a traição, o que faz com que o romance termine em tragédia.Um dos aspectos que chama a atenção nesse longa é o fato de não haver uma preocupação em apresentar vilões e mocinhos. Na verdade, todos os personagens acabam atraindo a simpatia do público. Connie, que poderia ser crucificada por trocar uma família feliz por um caso com um estranho, tem toda a sua culpa e dúvida mostradas de forma angustiante. Isso é bem exemplificado na cena que sucede a primeira transa com Martel, quando ela aparece rindo e chorando ao mesmo tempo, de maneira meio enlouquecida. Mesmo Martel, que usa e abusa de seu charme, parece até certo ponto um ingênuo, o que faz com que não o julguemos um canalha.Se em um primeiro momento o foco é a culpa e a dúvida de Connie, quando Edward descobre a infidelidade da mulher o foco passa a ser o que se pode fazer para enfrentar uma realidade dessas. É possível esquecer e recomeçar? É possível fingir que nada aconteceu? Quais os caminhos a seguir? A única certeza é que não é possível voltar atrás. Embora em uma cena Connie se veja entrando no táxi e recusando o convite de Martel, ela sabe que o passado não pode ser revertido."Infidelidade" é uma refilmagem de La Femme Infidèle, do diretor francês Claude Chabrol. Por pertencer à grife Adrian Lyne, diretor de filmes como "9 ½ Semanas de Amor" e "Atração Fatal", esse remake tem cenas de sexo de tirar o fôlego. E, embora a certa altura fique a impressão de que o diretor se perdeu e de que a fita já poderia ter terminado, Adrian Lyne nos leva a um desfecho que não é genial, mas que também não decepciona. No final, o recado é que nem sempre há culpa ou inocência, e sim circunstâncias e escolhas com as quais lidamos ao longo da vida.